quarta-feira, 24 de março de 2010

Especial - Filosofia da Perseverança


"Acredite..."

  "Atravesso os portões do Paraíso. Sigo em frente: triunfante, decidido, maravilhado. Eu posso ver além: todas as verdades, todas as respostas, a fonte da sabedoria. Eu posso sentir algo novo e desconhecido: sem incertezas, sem questionamentos, sem aflições. Eu vejo entes queridos: velhos amigos, pessoas saudosas que já não via há anos, e todos eles vêm sorrindo ao meu encontro. Eu também estou sorrindo, totalmente feliz: sem lamentações, sem receios, sem sofrimento. Apenas a paz... Atravesso finalmente os portões do Paraíso, mas há algo que não posso ver, e essa ausência se transforma em um lampejo de angústia em minha alma. Onde ela está? Eu percorri todo este caminho só para te encontrar, mas onde está você, meu anjo?"
(...)

  - Onde...?
  Abrem-se os olhos, relutantes. O despertar de um sonho inquieto, o fracasso e o habitual desespero. Estou deitado em um leito de hospital, confuso e com uma baita dor de cabeça. Suspiro. O que teria acontecido?
  Tento me levantar, mas não consigo. Depois de um tempo, uma enfermeira vem verificar o meu estado; colaboro com os procedimentos, sem reclamar. "O que aconteceu comigo?", pergunto. Ela não responde, me pede calma, o médico já está a caminho. Entediado, peço papel e caneta, se possível. "Para matar o tempo", informo, quando ela me questiona, um tanto desconfiada. Depois de mais alguns minutos, ela me traz o que pedi, e me tranquiliza, revelando que eu tenho muita sorte em estar vivo. "Sorte..." Agora as coisas começam a clarear um pouco. Fico imóvel por um bom tempo, refletindo sobre aquela noite. "Era ela? Teria realmente a visto?" Não importa mais. Acabou. Pelo menos, acabou para mim. Observo o papel em branco; um velho amigo, fiel confidente. Enfim, traduzo meus sentimentos em um poema, contendo muitos dos elementos de minha busca, agora reunidos em minha maturidade:

Filosofia da Perseverança


Ainda que eu soubesse
Que o amor é apenas uma quimera
Criada para tranquilizar os homens
Eu não desistiria.
Ainda que eu soubesse
Que um instante não é mais que um relâmpago
No vazio da Eternidade
Eu não desistiria.
Ainda que eu soubesse
Que sou um mero fantoche
Nas mãos de anjos e demônios
Eu não desistiria.
Ainda que eu soubesse
Que para sempre estarei condenado
Ao simples ato de sonhar
Eu não desistiria.
Ainda que eu soubesse
Que palavras doces são mentiras
Ecos de sentimentos ocultos
Eu não desistiria.
Ainda que eu soubesse
Que a felicidade é como o vidro
Cujo semblante não posso enxergar
Eu não desistiria. 
Ainda que eu soubesse
Que o paraíso não existe
E a realidade é uma amarga ilusão
Eu ainda não desistiria.
Pois jamais esqueceria
Do que me disse um amigo
Quando eu era apenas um menino:
"Se você puder acreditar em si mesmo,
Você poderá mudar o seu destino.
Se você puder acreditar nas pessoas,
Você descobrirá a essência da vida.
E se você puder fazer essas pessoas
Acreditarem nelas mesmas
Você poderá um dia mudar o mundo."
Foram essas palavras de profundo sentido
Mas de tão fácil entendimento
Que me ensinaram a continuar caminhando
Sem nunca deixar de acreditar
Pois ainda que eu ande sozinho
Pelo Vale da Sombra da Morte
Perdido dentro de mim mesmo
Eu ainda não desistiria
E não perderia a fé
Pois enquanto eu acreditar no Amor 
O impossível não existirá.
Você acredita?


  - É frustrante. - murmuro, após terminar de escrever. - Assim como a vida, em si.
  Repouso a cabeça no travesseiro e me entrego, finalmente, ao descanço merecido, mas intranquilo. Meus olhos fitam apenas o teto não familiar, e essa imagem permanece estática até a chegada de algo semelhante ao sono. 
  - Então, só me resta acreditar, não é? - sussurro, em um último delírio antes de adormecer.


**O poema original "Filosofia da Perseverança" foi escrito no ano de 2007, conseguindo o primeiro lugar no Concurso de Poesias do Colégio Almirante Tamandaré. Neste conto, reescrevo e finalizo o poema, de forma a adaptá-lo à sina do Pecador, mas não foram necessárias grandes mudanças, preservando assim a essência do original.**


Image: The_final_act_by_theflickerees - on Deviantart